Fauna: o universo, as cores e as causas de Ana Cahu

Exposição destaca questões relacionadas ao meio ambiente

Carlos Fernandes

“Fauna” é o título da exposição em cartaz no Complexo Cultural do Teatro Deodoro, que reabriu na última segunda-feira, 12 de julho, graças ao novo decreto estadual que relaxou algumas medidas restritivas de combate ao novo coronavírus. Trata-se de um conjunto de cerca de 70 obras da artista visual contemporânea, Ana Cahu, o qual aborda, frequentemente com formas e cores vibrantes (Figura 1), questões importantes do presente relacionadas com o meio ambiente, tais como as queimadas (Figura 2) e as ameaças à biodiversidade.

 

Figura 1. “Vibrante 02”, série “Fauna”. Foto: Carlos Fernandes.



Figura 2. “Queimadas 01”, série “Fauna”. Foto: Carlos Fernandes.

De fato, as taxas de devastação florestal crescem assustadoramente no Brasil. Somente em 2020 o desmatamento subiu 14%, nos seis biomas brasileiros. 99% do que é desmatado faz-se de forma ilegal, o que justifica plenamente as preocupações da artista Ana Cahu com as causas ambientais no país. Por outro lado, a exposição “Fauna” vai muito além da denúncia ao celebrar, sobretudo, a resiliência e a capacidade de regeneração da natureza quando tem tempo suficiente para tal, por óbvio (Figura 3). 


Figura 3. “Cinzas”, série “Fauna”. Foto: Carlos Fernandes.


A exposição pode ser visitada presencialmente de segunda a sexta, das 10h às 16h, e aos sábados, das 10h às 15h, até o final do mês de julho, no Espaço Cultural do Teatro Deodoro, localizado no Centro de Maceió. Quem ainda não se sente seguro ou não pode visitar presencialmente, também pode ver a exposição de forma virtual, em 360º, no site da Diretoria de Teatros do Estado de Alagoas.


Ana Cahu é vencedora do Prêmio Vera Arruda 2020. Foto: @anacahu/reprodução.


No piso superior do Espaço Cultural do Teatro Deodoro, a exposição “Fauna” se diversifica, dando lugar a obras de outras séries da artista, dentre as quais destacamos a “Lua” (Figura 4). Nesse ponto da exposição, podemos conhecer um pouco melhor a artista, sua biografia e outros temas de interesse que atravessam o seu trabalho em uma carta dela aos visitantes.  

  


Figura 4. “Lua”, série “Escura”. Foto: Carlos Fernandes.

Nessa carta, Ana Cahu explica o convite feito ao artista Dalton Costa para a produção de “Somos Todos Um” (Figura 5): “todos somos um e devemos compartilhar um ideal de saúde e manutenção de todos os que vivem em nosso Planeta Terra. E por achar que somos só um, convidei Dalton Costa, o artista brasileiro, que possui em sua arte sustentável um grande apelo preservacionista. Exporemos em conjunto uma obra para celebrar a unidade e o senso de cooperação entre artistas”. Aqui, como não lembrar dos Tribalistas e os versos da canção “Um Só”? Que dizem: “Somos um só, um só... Um, dois, três, somos muitos quando juntos. Somos um só, um só”.

 

Figura 5. “Somos Todos Um”, série “Fauna”, obra de Dalton Costa e Ana Cahu. Foto: Carlos Fernandes.

As obras de Ana Cahu, expostas em “Fauna”, inspirou-me um forte senso estético e ético voltado para o cuidado com a natureza e as diferentes formas de vida. Parafraseando Manguel, trabalhos como o da artista em tela não podem, evidentemente, nos proteger de nossa loucura e cobiça suicida que nos fazem explorar e degradar o meio ambiente na busca incessante por recursos naturais; contudo, podem nos ajudar a perceber essa loucura e essa cobiça e, com isso, talvez sejamos capazes de repensar, quem sabe para melhor, as nossas experiências com os outros, humanos ou não, com os quais convivemos “juntos nesta terra tão devastada”.

Por fim, posso dizer que ao visitar a exposição “Fauna”, na última terça-feira (13/07), tive o enorme prazer de conhecer a artista Ana Cahu pessoalmente. Vocês também podem conhecê-la pelo Instagram @anacahu. Sigam seu trabalho! Por meio do seu perfil na rede social, inclusive, ela, de forma muito gentil, nos concedeu uma entrevista sobre o seu trabalho artístico, a qual reproduzimos integralmente a seguir.

 

Entrevista com a artista Ana Cahu

MHN-UFAL: Ana Cahu, como você se apresentaria enquanto artista para quem está entrando em contato com o seu trabalho pela primeira vez?

ANA CAHU: Sou artista visual contemporânea, pinto há 21 anos, e amo cores vibrantes, estilo tropical é o que eu quero sempre alcançar. Sou uma pessoa alegre, o que acaba refletindo nas minhas obras. Pinto muito sobre Natureza, já tive séries como: Flora, Ondas, Fundo do Mar, Círculos e agora Fauna. Preservação é o meu foco, e tento chamar atenção para nossas belezas naturais. 

MU: Na exposição "Fauna" é evidente a presença de temas ambientais em suas telas, qual a sua relação com a natureza? Você gosta do contato com plantas e animais? Espaços como parques e áreas verdes te inspiram? 

AC: Gosto muito de plantas, minha varanda parece um jardim... amo o verde, e a paz que me trazem. Quanto aos animais... não tive animais em minha casa, mas aprecio todos os tipos e tamanhos, acho que trazem alegria. Já fui muito a parques e áreas verdes, mas o que eu amo mesmo é o mar. E a cor esmeralda da Costa Alagoana é incomparável.

MU: As obras da exposição "Fauna" trazem uma variedade enorme de formas e cores que nos fazem pensar na diversidade dos seres vivos, na riqueza da nossa biodiversidade que, por sinal, encontra-se ameaçada pelo desmatamento e queimadas, por exemplo. Essas questões te preocupam? Podemos entender essa exposição como uma iniciativa da sua parte para dar ainda mais visibilidade a esses temas?

AC: Sim, questões ambientais me preocupam muito, e essa exposição é um grito de socorro em defesa da Natureza. Minha bandeira sempre está relacionada ao Meio Ambiente, não quer dizer que eu só vá pintar sobre isso no futuro, mas acho que tenho a responsabilidade de passar a mensagem de preservação para todos.

MU: Para além da exposição "Fauna", você pode nos contar um pouco mais sobre como as questões ambientais aparecem em outros trabalhos seus e/ou como você acredita que essa dimensão continuará a te inspirar?

AC: As questões ambientais brasileiras estão em crise há muitos anos, na verdade, o Brasil tem muitas leis sobre o assunto, mas infelizmente, não há fiscalização, e quando responsabilizamos alguém tudo é muito lento, e muitas vezes só vão indenizar e reflorestar muitos anos depois, como está sendo o caso da ruptura das barragens de Mariana e Brumadinho. O setor de mineração e madeira são responsáveis por boa parte do caos que nos encontramos, mas, também devemos prestar atenção à pesca predatória, é muito importante que preservemos os Oceanos, muita gente não faz ideia da importância deles.

MU: Por fim, somos um Museu de História Natural, nosso público com certeza é muito receptivo a mensagens que valorizam as diferentes formas de vida. Nesse sentido, como artista, você poderia deixar uma mensagem para a gente sobre como você enxerga que a arte pode ampliar a nossa compreensão da vida?

AC: A arte sempre nos alerta, nos surpreende, nos desperta. Como como o que aconteceu na Semana da Arte Moderna de 1922, que visava chocar o público e mostrar outras maneiras de sentir, ver e fruir a arte, exemplos dessa época foi a ausência do formalismo, a ruptura com o academismo e tradicionalismo, influência das vanguardas artísticas europeias (futurismo, cubismo, dadaísmo, surrealismo, expressionismo), entre outros, mas a valorização da identidade e cultura brasileira foi a principal para a arte, a meu ver. Essa época me inspira e me faz querer ajudar na conscientização do público, não somente o brasileiro, mas também o mundial. Todos somos um, devemos pensar coletivamente, esse é o futuro.

 

Referências:

CAHÚ, Ana. Cinzas. 2020. Acrílico sobre tela, 200 x 150 cm.

__________. Vibrante 02. 2020. Acrílico sobre lona, 195 x 150 cm.

__________. Queimadas 01. 2020. Acrílico sobre lona, 300 x 160 cm.

__________. Lua. 2017. Acrílico sobre tela, 100 cm de diâmetro.

COSTA, Dalton; CAHÚ, Ana. Somos todos um. 2021. Técnica mista, 120 x 90 cm.

MANGUEL, Alberto. A cidade das palavras: as histórias que contamos para saber quem somos. São Paulo: Companhia das Letras, 2018.

PONTES, Nádia. Desmatamento saltou 14% em 2020 em todo o Brasil. DW Brasil, 11 jun. 2021. Disponível em: https://www.dw.com/pt-br/desmatamento-saltou-14-em-2020-em-todo-o-brasil/a-57854087. Acesso em: 14 jul. 2021.

TRIBALISTAS. Um só. In: TRIBALISTAS. Tribalistas. Rio de Janeiro: Monte Criação e Produção, 2017. 1 disco sonoro (36’18). Faixa 2 (3’18). 

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